27 dezembro, 2016

Be Veggie | Entrevista com Nádia Carvalho Nunes


Desde que decidi mudar de vida, dedicando-me à minha evolução espiritual, comecei a pensar na possibilidade de adoptar um estilo de vida vegetariano. No fundo, é uma questão de coerência com tudo o resto. A maioria de vocês já conhece a Nádia  [do blogue Kill Your Barbies], vegan assumida e que vai partilhando connosco esse seu estilo de vida. Assim sendo, tive a ideia de a convidar para uma entrevista, que publico hoje aqui no blogue como forma de aprender e dar a conhecer um pouco mais sobre o veganismo/vegetarianismo, bem como a sua contribuição para um planeta mais sustentável. A Nádia é uma pessoa muito assertiva e acredito que as suas palavras nos farão aprender e reflectir. Resta-me agradecer-lhe, uma vez mais, pela disponibilidade e pela partilha.
Agora, vamos à entrevista. Espero que gostem!




1 – Olá Nádia. Antes de mais, obrigada pela tua colaboração. O que te levou a adoptar um estilo de vida vegan?

Gostava de me lembrar melhor, porque foi algo que começou muito cedo. Via as vacas nos camiões a ser levadas para o matadouro e começava a chorar - parecia-me absurdo que animais tão bonitos tivessem que morrer para eu comer. A primeira motivação, antes de ser ética, foi empática.


2 – Fizeste a transição imediata para o veganismo ou começaste pelo vegetarianismo? Para quem ainda não sabe, queres explicar as diferenças entre veganismo e vegetarianismo?

Ao nível conceptual, o vegetarianismo estrito implica a recusa da inclusão de produtos de origem animal na alimentação, ao passo que o veganismo estende a preocupação com o bem-estar animal a todos os aspetos da vida quotidiana, o que implica perceber que os animais não existem para servir os humanos. Muitos veganos dirão que o vegetarianismo é uma dieta sem ponderação ética e que o veganismo é um estilo de vida, mas eu sei que não é assim porque não foi essa a minha experiência – fui ovolactovegetariana (significa que não consumia carne ou peixe mas mantinha os ovos e derivados do leite) durante alguns anos, e a minha motivação sempre foi ética. Estava a fazer aquilo que conseguia na altura, e quando me senti preparada tornei-me vegana.


3 –No seguimento da questão anterior, em que consiste seguir um estilo de vida vegan [além da alimentação] em termos práticos?

Consiste em fazer o máximo que nos for possível para minimizar a exploração animal. Significa não comer produtos de origem animal, não usar peles, sedas, lãs, cosméticos testados em animais ou que contenham ingredientes de origem animal na sua composição, não ir a circos, touradas, parques zoológicos, etc. No entanto, ser vegano não é ser mártir – se estiver doente e precisar de tomar uma vacina ou um medicamento que tenha sido testado em animais, fá-lo-ei. Não há nenhuma bíblia nem mandamentos. Às vezes, quando as pessoas não estão familiarizadas com estas questões, perguntam-me se posso ou não comer esta ou aquela coisa. É importante que se perceba isto: eu posso comer um bife, não serei fulminada por um raio se o fizer. Mas escolho não o fazer.


4 – Há uma ideia pré-concebida de que os vegetarianos ou veganos têm uma dieta alimentar muito restrita pois não dispõem de grande variedade de alimentos de origem não-animal para confeccionarem as suas refeições. Queres desmistificar esse conceito?

É, a bem dizer, um disparate. Eu passei a gostar de comida precisamente quando deixei de comer animais. Quando comia carne e peixe a proteína animal era centro das minhas refeições e os acompanhamentos não variavam muito, pelo que tinha uma alimentação bem monótona. Enveredar a pelo vegetarianismo foi descobrir um universo de sabor, variedade e abundância – o oposto da conceção comum, portanto.


5 – Fazes algum suplemento alimentar [por exemplo, de vitamina B12] ou a necessidade deste tipo de suplementos numa alimentação vegan é mais um mito?

É verdade que uma dieta vegetariana tem que ser, inicialmente, bem planeada. Mas o mesmo é verdade para uma dieta que inclua animais e seus derivados, que é isso que as pessoas tendem a esquecer. Penso que o correto será consultar um/a médico/a ou nutricionista que seja ele ou ela própria vegetariana ou em quem confiem – isto, para mim, é muito importante, porque os médicos não são deuses, a sua formação académica não é imaculada e muito menos garantia de que estão livres de preconceito e desinformação. Uma dieta vegetariana pode fornecer todos os nutrientes necessários, exeto a vitamina B12. Mas como os humanos, à semelhança de outros animais, sintetizam B12 no trato intestinal, a necessidade de suplementação dependerá da capacidade de absorção de cada pessoa. De modo semelhante, os vegetarianos que consumam diariamente produtos como leites vegetais podem não precisar de suplemento, uma vez que esses alimentos são geralmente fortificados com B12.


6 – Desde que adoptaste este estilo de vida, quais são as alterações positivas que sentes na tua saúde e bem-estar?

Nos meus anos de ovolactovegetariana, consumia imenso queijo e ovos, muita comida excessivamente processada, muito sal, muito azeite. Recentemente adotei uma dieta alta em hidratos de carbono e relativamente baixa em gordura e, agora sim, senti uma grande mudança, particularmente ao nível do corpo – não tenho celulite e a minha pele melhorou muito.


7 – Qual foi a reacção dos teus familiares e amigos mais próximos quando lhes comunicaste o teu novo estilo de vida? Aceitaram ou criticaram?

Criticaram. É assim que as pessoas reagem ao que não conhecem, e ainda mais quando é uma decisão ética deste género. Repara que estás, através da tua dieta, a colocar a conduta daquela pessoa em causa, porque é como se estivesses a dizer que é possível viver sem matar. Muitas pessoas que comem animais, quando confrontadas com a mera existência de um vegetariano, têm tendência para achar “este tipo pensa que é melhor que eu” quando, na verdade, isso não é mais que o resultado da sua própria consciência.


8 – Hoje em dia, já é mais fácil encontrar restaurantes vegetarianos?

Depende muito do sítio. Portugal é um país com apenas duas cidades grandes, onde é facílimo encontrar restaurantes vegetarianos (em Lisboa há cada vez mais, o suficiente para, durante um mês, almoçar todos os dias num restaurante diferente), mas nos sítios mais pequenos não. Mas mesmos nesses casos, há sempre alternativas nos centros comerciais, nos restaurantes chineses, nas pizzarias (pedindo a pizza vegetariana sem queijo). Às vezes gosto de ir a um sítio não-veggie e pedir um determinado prato sem os produtos de origem animal, como forma de passar a mensagem de que estamos aqui e queremos alternativas.


9 – E no que diz respeito a produtos de beleza, por exemplo, é fácil encontrar marcas que não testem em animais?

Não sendo facílimo, não é impossível. É que existem duas questões: a dos testes em animais e a dos ingredientes de origem animal. A Too Faced, por exemplo, não testa nenhum dos seus itens de maquilhagem em animais e, adicionalmente, disponibiliza uma lista daqueles que são totalmente vegan-friendly. A Urban Decay é 100% vegan. Os produtos da Caudalie não contêm ingredientes de origem animal mas, infelizmente, a marca comercializa no mercado chinês, o que significa que os seus produtos são testados em animais. Geralmente, uma pesquisa rápida resolve o problema – conhecemos marcas novas e ficamos a saber quais, entre aquelas que conhecemos, são livres de crueldade.


10 - Numa sociedade que ainda mantém os seus preconceitos e as suas ideias rígidas, já alguma vez te sentiste, de certa forma, olhada de lado por seres vegan?

Claro, maioritariamente pela família, principalmente numa fase inicial, mas isso nunca me incomodou. Sou diferente em imensas coisas, esta é uma entre tantas e nunca tentei esconder a minha diferença. Também já fui julgada por veganos – por não ser ativista, por assumir que a saúde e a forma física foram a motivação que me faltava para abandonar os ovos e o queijo. E, claro, há os amigos que são capazes de abdicar de ir a um determinado restaurante para me acompanharem àquele em que existe opção vegetariana. São esses que valem a pena.


11 – Recentemente, fomos confrontados com uma reportagem sobre a desflorestação da Amazónia, o grande pulmão do nosso planeta, devido à conversão da floresta em terrenos de pasto para animais. O que pensas sobre tudo isto?

É algo sobre o qual já tinha conhecimento há bastante tempo – podemos atribuir à criação de gado bovino por 65% da desflorestação da Amazónia. E a nível global, a indústria agropecuária é uma das principais culpadas pela destruição de áreas verdes e pelo efeito de estufa. É assustador, mas não é inevitável, e cada pessoa tem o poder para ajudar a alterar essa realidade deixando de comer animais. O documentário Cowspiracy explica isto muito melhor do que eu poderia fazer.


12 – Na tua opinião, o veganismo é um dos grandes contributos para sustentabilidade do nosso planeta?

É impossível ser um ambientalista coerente sem ser vegano. Mas atenção – não chamo hipócritas a essas pessoas, é uma palavra que comecei a detestar porque vi usada de forma errada demasiadas vezes. Imagina uma pessoa que tenta reduzir a sua pegada de carbono, recicla, compra roupa em segunda mão, anda de autocarro mas come animais, quem sou eu para lhe dizer que, se não faz tudo certo, mais valia não fazer nada? É este o argumento que ouço tantas vezes contra os veganos, aquela ânsia de encontrar uma falha qualquer (que haverá sempre, porque somos pessoas) para justificar que o próprio não faça nada. Talvez um ambientalista não-vegano ainda desconheça a realidade da exploração animal, ou então está consciente mas ainda não fez a conexão ética. Independentemente do motivo, estará certamente a fazer alguma coisa, o que será sempre melhor que não fazer nada.


13 – Achas que as pessoas estão mais conscientes relativamente aos problemas que assolam o planeta terra ou nem por isso?

É difícil dizer. Acho importante lembrarmo-nos o quanto o mundo mudou em tão pouco tempo – em Portugal, por exemplo, os primeiros supermercados (com o seu reino do plástico), começaram a surgir nos anos 60. Antes disso as compras eram maioritariamente feitas a granel e as garrafas de vidro reutilizadas. À minha geração foi incutida, nas escolas, uma certa consciência ambiental – às gerações anteriores, não, porque nasceram numa época em que essas questões não tinham a importância que viriam a ter. Duvido que consigamos educar em massa as gerações mais velhas para as questões ambientais, a aposta terá que ser feita junto dos mais novos.


14 - Que conselhos darias a uma pessoa que está a fazer a transição para um estilo de vida vegetariano/vegan?

O mais importante é que cada pessoa encontre a sua motivação. Para mim, a combinação ética-saúde-ambiente é imbatível – quando fazemos essa ligação, não quereremos voltar atrás. Recomendo os documentários Earthlings (ética), Forks Over Knives (saúde) e Cowspiracy (ambiente). A abertura à informação e às mudanças que essa disposição pode trazer é, sem dúvida, o ponto central. O meu segundo conselho é que sigam o vosso próprio ritmo: se conseguirem eliminar todos os produtos de origem animal de uma assentada, excelente. Se tiverem que ir por passos, ótimo.





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5 comentários:

  1. Adorei ler esta entrevista!! Já sigo o blog da Nádia há algum tempo e adoro ler o que escreve, mas senti uma conexão ainda maior com esta entrevista. Sou vegetariana há quase dois anos e ando seriamente a pensar em tornar-me vegana. Ler isto só me fez querer dar esse passo mais rápido :)

    Beijinhos, xx
    My Little Corner

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  2. Não sou vegan nem vegetariana e adorei a entrevista, super coerente e com grande conteúdo! Adorei conhecer um pouco a linha de pensamento de um vegan!

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  3. Gostei de ler a entrevista, sem dúvida, achei muito interessante e posso até dizer que aprendi algumas coisas. Obrigada pela partilha :)

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  4. Gostei das entrevista.
    Não deve ser fácil adoptar esse tipo de alimetação.
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  5. Adorei esta entrevista Catarina! Gosto muito da Nádia e acompanho o blogue dela. O meu estilo de vida não podia ser mais distante do dela mas reconheço-lhe muito valor e entendo os seus princípios que são mesmo de louvar. Acabei por aprender muitas coisas nesta entrevista que está tão boa, não só porque a Nádia escreve muito bem e está muito bem informada sobre o tema mas também - e muito - porque as perguntas são super interessantes e com uma linha de pensamento que dá mesmo vontade de ler até ao fim!
    Obrigada!

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