29 julho, 2016

Há Amores Assim | Doce Infância


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A minha infância cheirava a alfazema e a feno. Tinha o aroma alegre das romarias de Verão e do algodão-doce sempre em demasia. Cheirava a bolo de iogurte acabado de fazer nas tardes de sábado que, também elas, tinham o seu cheiro a alecrim. A minha infância tinha o doce cheiro dos abraços e da ternura partilhada. Cheirava a tardes domingueiras entre princesas e fadas. Cheirava a aguarelas e a lápis-de-cera com os quais desenhava e coloria o meu futuro. Cheirava a sonhos, tantos, escondidos no cantinho da alma com vergonha de se mostrarem e deixarem de ser só meus. A minha infância cheirava a afectos e a água de rosas. Cheirava a margaridas amarelas com as quais fazia colares e coroas de princesa. Tinha o doce aroma da saia aos folhos, a minha preferida. Cheirava à camomila que perfumava os meus cabelos loiros e compridos. Cheirava a canela e a Natal. A minha infância tinha o aroma do mar de julho, o mesmo onde tantas e tantas vezes afogava os medos e os fantasmas que teimavam atormentar as noites quentes de insónia. Tinha o aroma dos dias compridos e sempre desiguais, da areia que se escondia na pele e com a qual fazia castelos. A minha infância cheirava a verdade, a desconhecido, a borboletas na barriga. Passou depressa, quase a correr. Levou com ela todos os cheiros bons, todos os aromas que hoje não há, deixando apenas esse cheiro de saudade entranhado no coração.

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